O processo da arte
Uma das características que mais admiro no trabalho de um artista é a capacidade de gerar surpresa, apreensão. A arte possui esse poder de reinventar e reapresentar questões que parecem superadas de forma completamente inesperada e a partir daí provocar a inquietação do espectador, obrigá-lo a examinar as certezas pré-concebidas que trazemos e colocar em xeque sua percepção, levando à reflexão.
Longe de querer analisar impropriamente o trabalho de uma grande artista como Regina Silveira, gostaria de expressar minha felicidade ao me deparar com a “retrospectiva” linha de sombra, no primeiro andar do Centro Cultural Banco do Brasil. Sempre me impressiona, em exposições que compreendem um longo período de produção de um artista, perceber a pesquisa incansável pelo desenvolvimento de uma linguagem.
É surpreendente o caminho percorrido pela artista e, conseqüentemente pelo espectador. A influência da iluminação sobre objetos no espaço é representada pela relação luz e sombra, algo aparentemente trivial, mas através de estudos de perspectiva, ritmo, proporção, profundidade, contraste e diversas características de forma e desenho, as sombras líricas, fluidas, voluntariosas, encontram conceitos como ausência, percepção, materialidade, monumentalidade, estranhamento, distância, espaço, abstração...
A sensação de percorrer aquele caminho em algumas horas é a de manipulação do espaço e tempo, que se contrai ou estica dependendo do olhar empregado. Talvez uma experimentação breve e instigante de parte daquele processo criativo, que, claramente exposto pelos croquis e estudos apresentados, faz-se intenso, forte, desafiador. E é essa talvez a impressão que ficou marcada, ao sair da exposição e sentar-me sob a cúpula central do edifício, iluminada por uma instalação de Regina, de que o processo é o registro vivo da criação na arte, e, porque não, da vivência da arte.
E esse processo é contínuo e o olhar é mais um elemento que constrói a experiência, ponte entre a inquietação do artista e a sensibilidade do espectador. É uma verdadeira aula de criação e linguagem artística.
(Imagem do post: Derrapagem, 2004, vinil adesivo e madeira, 5,14 x 21,44 m, "Projeto Parede", Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2004, São Paulo, SP, Brasil. Foto: João Musa.)
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